Depois de atingir Recife, o coronavírus caminha para cidades do agreste e do sertão pernambucano. A maior parte delas está próxima ou é cortada pela rodovia federal BR-232, e esse fenômeno não é mera coincidência.
Uma projeção da USP, produzida com um modelo estatístico usado por países europeus para medir o alcance da pandemia, apontou que o número de infecções pelo novo coronavírus no Brasil é de 12 a 15 vezes maior do que os dados oficiais divulgados pelo governo federal.
Segundo o Ministério da Saúde, até a sexta-feira (16/4), o país tinha 33.682 casos confirmados de covid-19 — 2.141 pessoas haviam morrido da doença.
Na rota da BR-232, a cidade de Caruaru tinha 10 casos de coronavírus confirmados até esta quinta — um homem de 87 anos morreu da doença. Outras 40 pessoas apresentaram sintomas, e ainda aguardam o resultado de exames.
Três desses 10 casos foram "importados": são pessoas que tinham viajado para o exterior e voltaram a Caruaru, de acordo com Francisco Santos, secretário municipal de Saúde.
Diariamente, a cidade costuma receber milhares de turistas por causa de sua famosa feira ao ar livre. Esse mercado é o maior ponto de vendas da importante indústria têxtil localizada em cidades próximas, como Toritama. Mas, por ora, ele está fechado.
Para tentar frear a entrada do vírus, Caruaru montou barreiras sanitárias nas principais entradas da cidade — algumas delas na BR-232. Quem passa por ali é parado, tem a temperatura medida por agentes de saúde e responde se apresenta sintomas de covid-19.
"Já paramos 60 mil pessoas nessas barreiras. Mas nós temos 36 entradas e saídas em Caruaru. Infelizmente, não conseguimos atuar em todos os locais", diz o secretário Francisco Santos.
Segundo ele, a cidade tem aumentado o número de leitos de UTI nas redes públicas e privada e feito campanhas educativas sobre a importância do distanciamento social.
Outra cidade afetada pelo vírus na rota da BR-232 é Arcoverde, no início do sertão pernambucano — o município tem quatro casos confirmados, três suspeitos e uma morte por covid-19.
"Estamos visitando as pessoas que vêm do Recife e orientando que elas permanecem em quarentena", diz Gledemario Cursino, assessor jurídico da Secretaria Municipal de Saúde de Arcoverde.
A cidade também tem apostado em barreiras sanitárias nas vias de entrada, onde são feitas medições de temperatura e questionários sobre o quadro clínico.
Para André Longo, Secretário Estadual de Saúde de Pernambuco, o coronavírus vai se espalhar pelo interior "inevitavelmente".
"O interior vai ser ser atingido. Não adianta alimentar falsas esperanças", disse Longo, em entrevista à imprensa. Segundo ele, o governo estadual tem aberto novos leitos em cidades do interior.
"Estamos atentos a esse movimento (do vírus ao interior). É fundamental que as medidas de isolamento social funcionem para enfrentarmos esse momento. Nossa curva está em aceleração e o número de casos graves têm mais do que duplicado nas emergências, nas últimas duas semanas", afirmou o secretário.
O professor Domingos Alves, da Faculdade de Medicina da USP, acredita que medidas de isolamento mais rígidas em cidades interioranas podem ser uma das soluções para frear a pandemia no Brasil e desacelerar o colapso no sistema de saúde.
"Se tiver um isolamento de 70% nesses municípios médios e pequenos, você diminui as chances de ter novos pacientes graves nesses locais, porque provavelmente eles seriam levados para hospitais das cidades grandes. Com isso, será possível desafogar um pouco o sistema, que já está sufocado", diz.
Em Caruaru, por exemplo, a prefeitura decretou quarentena, fechou o comércio e cancelou a tradicional festa de São João, que costuma atrair centenas de milhares de turistas em junho.
Segundo Francisco Santos, secretário de saúde, toda a população se mobilizou na quarentena nas primeiras semanas, mas o cenário tem mudado nos últimos dias.
"As pessoas pensam que, como os casos não aumentaram muito na cidade, o problema não é tão grave assim e todo mundo pode voltar à vida normal. Mas não é isso, ainda estamos no início. Já estamos enfrentando muita pressão para reabrir o comércio, porque muita gente depende dele para sobreviver em Caruaru", diz.
Colaboraram Camilla Costa e Cecilia Tombesi
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