A 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a condenação de uma mulher pelo crime de estelionato cometido contra a própria mãe, idosa e analfabeta. A decisão, oriunda da 2ª Vara Criminal de Diadema, foi apenas redimensionada quanto ao cálculo da pena, fixada em um ano, seis meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial aberto, além do pagamento de R$ 10 mil para reparação do dano.
Segundo o processo, a ré e um comparsa convenceram a vítima a entregar seu cartão bancário e sua senha, sob o argumento enganoso de que o homem estaria prestes a receber uma herança. Com o cartão em mãos, a dupla contratou um empréstimo bancário de R$ 10 mil em nome da idosa e realizou saques em sequência.
O relator do recurso, desembargador Fernando Simão, destacou que a vítima foi claramente induzida ao erro. “A vítima, idosa e analfabeta, entregou seu cartão e senha induzida por ardil consistente na falsa promessa de recebimento de herança pelo corréu, confiando na própria filha”, afirmou. Ele acrescentou que a presença da vítima em um dos saques, sem plena compreensão da operação, não descaracteriza o engano inicial nem o dolo dos envolvidos.
O magistrado rejeitou ainda a tese de que não teria havido intenção criminosa ou que o caso configuraria mero inadimplemento civil. “O modus operandi, a simulação de herança, a obtenção clandestina de empréstimo em nome da vítima e os saques sucessivos evidenciam inequívoco propósito de vantagem ilícita.”O julgamento foi unânime, com participação dos desembargadores Freitas Filho e Mens de Mello.Apelação nº 1502266-19.2022.8.26.0161
Nossa Opinião
A decisão do TJSP acerta ao reforçar a proteção jurídica da pessoa idosa, especialmente quando vítima de fraude praticada por alguém de dentro da própria família. A condenação está bem fundamentada no artigo 171 do Código Penal, que trata do crime de estelionato, agravado pelo fato de a vítima ser idosa — o que atrai a causa de aumento prevista no artigo 171, § 4º, incluído pela Lei 13.228/2015.
O tribunal reconheceu claramente o dolo e o uso de artifícios fraudulentos, requisitos essenciais para caracterizar o estelionato: criação de uma falsa promessa de herança, obtenção clandestina de empréstimo e posterior realização de saques em benefício próprio. A vulnerabilidade da vítima — idosa, analfabeta e incapaz de compreender operações bancárias — reforça a violação ao bem jurídico protegido: o patrimônio aliado à boa-fé da relação familiar.
Além disso, a reparação mínima fixada em R$ 10 mil está de acordo com o artigo 387, IV, do Código de Processo Penal, que autoriza o juiz a determinar indenização pelos danos causados à vítima, mesmo na esfera criminal.
Em um país que envelhece rapidamente, decisões como esta são fundamentais para coibir abusos financeiros e demonstrar que a Justiça está atenta às novas formas de violência patrimonial praticadas contra idosos. A responsabilização penal, combinada com a reparação econômica, cumpre dupla função: punir o infrator e prevenir condutas semelhantes.
Este caso deve servir de alerta. Quando o agressor é alguém da família, o crime ultrapassa o prejuízo material e atinge a confiança, a integridade e a dignidade do idoso. É imprescindível que a sociedade se mantenha vigilante e denuncie sinais de exploração financeira — muitas vezes silenciosa, mas devastadora.


