A revolução já começou.
Enquanto tribunais americanos veem cidadãos vencerem causas com ajuda do ChatGPT, no Brasil o tema ainda provoca espanto, resistência e silêncio institucional. A pergunta que paira sobre o futuro da advocacia é direta: será que a inteligência artificial poderá um dia atuar legalmente como advogado no país?
Nos bastidores da Justiça brasileira, o assunto já é discutido entre juízes, defensores e conselhos de classe. Alguns tribunais de grande porte, como o TJSP e o TRF4, já testam ferramentas de IA para triagem de processos, leitura automatizada de petições e organização de jurisprudências.
Mas quando o tema é o uso do ChatGPT para defesa ou argumentação jurídica, a posição oficial ainda é cautelosa.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) reforça que a representação jurídica de terceiros continua restrita a profissionais habilitados, conforme o Estatuto da Advocacia. Em outras palavras, nenhuma inteligência artificial pode assinar uma petição ou falar por um cliente em juízo.
Mesmo assim, a tecnologia avança mais rápido do que as normas. Muitos advogados já utilizam o ChatGPT para analisar autos, elaborar minutas e revisar teses jurídicas, o que cria uma zona cinzenta entre apoio técnico e exercício da advocacia.
Em países onde o uso já é experimental, como os Estados Unidos e o Reino Unido, as chamadas “alucinações de IA” — decisões ou citações inexistentes — já causaram multas e punições.
No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estuda parâmetros éticos e recomenda que qualquer ferramenta de IA seja supervisionada por um ser humano responsável pela peça jurídica.
Segundo o juiz e pesquisador Rogério Campos, “a IA é uma ferramenta poderosa, mas perigosa. Assim como um estagiário talentoso, ela precisa de um advogado experiente ao lado para evitar erros fatais.”
Apesar da desconfiança inicial, cresce o número de profissionais que enxergam a IA como um assistente de produtividade, não uma ameaça. Escritórios de advocacia de médio porte já automatizam tarefas de leitura de processos e pesquisa jurisprudencial, economizando horas de trabalho.
Para a advogada e professora Mariana Coelho, “a inteligência artificial não vai substituir o advogado, mas vai expulsar do mercado quem se recusar a aprender a usá-la.”
O próprio STJ tem avaliado soluções baseadas em IA para prever repetição de demandas e até identificar padrões de litigância abusiva — um passo que pode reduzir sobrecarga e tornar a Justiça mais ágil.
Tecnicamente, não.
Mas na prática, ele já está participando dos bastidores jurídicos brasileiros. Estudantes o utilizam em TCCs e pareceres; defensores o consultam para gerar modelos de petições; e cidadãos comuns o recorrem para entender seus direitos antes de procurar um advogado.
É um fato consumado: a IA não pede licença para entrar, apenas chega.
E quanto mais rápido o sistema jurídico entender isso, mais preparado estará para legislar sobre o inevitável.
No próximo artigo da TV Forense, investigaremos como os escritórios de advocacia estão se adaptando à era da Inteligência Artificial — e o que muda na rotina, na cobrança e na credibilidade dos profissionais diante do cliente.