A quem interessa a extinção do auxílio-reclusão?

Publicado por: Editor Feed News
17/07/2014 08:29:50
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Nunca se viu, com destacada freqüência e em diversos meios de comunicação, um incisivo debate acercado auxílio-reclusão previdenciário, especialmente do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Curioso, que vozes de toda orla apregoam a necessidade impiedosa da sua completa extinção do nosso vigente contexto jurídico.

 

Com efeito, em meio ao avanço de índices de criminalidade, problemas sociais variados, fragilidade econômica e mesmo política, distorções do poder de compra, enfim, sempre trazem à tona, discussões diversas sobre a permanência do auxílio-reclusão, além, é claro, da chamada “justiça” da sua existência.

 

Neste sentido, a falaciosa PEC 304/2013 de autoria da Deputada Antônia Lucia (PSC – AC), que intenta no seio parlamentar extirpar este benefício do pacote previdenciário, de forma unilateral e evidentemente circunstanciada. Ora, imperioso registrar alguns destacados e necessários pontos deste importante debate, tentando compreender a quem realmente interessa esta almejada extinção. O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário concedido exclusivamente aos dependentes do segurado e não a esse, pois teve sua liberdade mitigada em razão de um eventual ato delituoso que tenha cometido, cuja criação remonta a década de 1930, contudo, recepcionado pelo vigente contexto constitucional.

 

Primeiro, que encontramos sua base jurídica no artigo 201da Excelsa Lei, norma direcionadora de toda a técnica protetiva. Doutrinariamente, o Jurista Fábio Zambitteconceitua este benefício do seguinte modo:

 

“O auxílio-reclusão, assim como a pensão por morte, é benefício destinado exclusivamente aos dependentes do segurado, no caso, o preso. Este não recebe o auxílio-reclusão, mas sim sua família. O tema é tratado na Lei 8.213/91, art. 80, com particularidades na Lei 10.666/03, e no RPS, arts. 116 a 119.”[1]

 

Na mesma direção, a sempre lúcida lição advinda do Professor Hermes Arrais Alencar a respeito:

 

“Codificado pelo INSS como B/25, o auxílio-reclusão é benefício previdenciário de caráter substitutivo da renda do trabalho, devido aos dependentes do segurado de baixa renda recolhido à prisão. Criado com o intuito de garantir a subsistência da família do segurado detento ou recluso, durante o período no qual a família se ressente da perda temporária de uma fonte de subsistência”.[2]

 

De início, convém registrar que não é benefício do preso, apenado ou recluso, mas exclusivamente a seus dependentes, cuja relação deve ser comprovada. E mais, outros requisitos devem ser demonstrados no ato da jubilação, como a qualidade de segurado do recluso a época da segregação, o regime de cumprimento de pena, pois, engloba exclusivamente apenados do regime fechado e semi-aberto, além de existir objetivamente um parâmetro governamental da última contribuição do apenado, que deve estar limitado a este parâmetro.

 

Como facilmente se percebe, afinal, não se pode alegar o desconhecimento da lei, ainda mais, nossos representantes, com clareza solar, fácil aferir que os requisitos são vários, restritivos e limitadores da jubilação ao benefício, não sendo estendidos em todas e quaisquer situações. Portanto, ao inverso do que apregoa a grande mídia, trata-se de um benefício altamente limitado, fiscalizado periodicamente e socialmente justificado.

 

Ora, primeiro que a técnica protetiva denominada Previdência Social, possui como beneficiários, os sujeitos protegidos, tanto segurados, como os dependentes. Esse o ideário protético subjetivo de margem constitucional. Logo, fomentar a exclusão deste auxílio é o mesmo que fragilizar a relação de proteção que indiretamente é devida ao dependente, sendo precedente perigoso e ao mesmo tempo análogo a entrega da pensão por morte, que também ocorre a dependentes.

 

Lado outro, certos eventos, imprevisíveis, quando ocorrem, são solvidos por determinada prestação previdenciária, e, no caso, excluir o auxílio-reclusão, significa desproteger um tutelado da Previdência e admitir que o evento encargos familiares a dependentes do recluso deixará de existir. E mais, como fica a guarida estatal destes dependentes do recluso? Ficarão a mercê da própria sorte e da incontroversa distância da proteção do Estado?

 

Esse, parece que não é o melhor caminho, vale dizer, justificar a exclusão do benefício, tão somente por elementos populistas, desprovidos de critérios jurídicos, porém, encampados pelo discurso populista, próprio da conhecida “Era Vargas”.

 

A questão que se coloca é: qual a culpa deste dependente aos problemas sociais diversos, que também contribuem para a segregação penal? Punindo vítimas de um sistema social fragilizado, resolveremos todos os problemas sociais, que tentam abalizar a proposta parlamentar acima aludida?

 

De outro giro, o apenado contribuiu ao sistema previdenciário, verteu contribuições, enfim, ao contrário da vítima do evento criminoso, que pela proposta em tela, auferirá um auxílio-governamental sem qualquer contraprestação contributiva, ferindo de morte a constitucional regra do prévio-custeio.

 

Mais uma vez, parece que esta idéia parlamentar surgiu de inopino, tão somente por um clamor popular desprovido de informações, de forma generalizada, injusta e incongruente com todo o sistema, sendo, um discurso popular, altruísta e costumeiramente criado no fértil período eleitoral. Devemos sim repensar vários pilares do sistema previdenciário tupiniquim, contudo, não é pelo caminho da exclusão, sem fundamentação jurídica, calcado por discursos populistas, que se conseguirá minimizar eventuais distorções.

 

Sabido, que toda legislação deve se adequar aos fins sociais a que ela se dirige, razão maior de que a proposta de exclusão do auxílio-reclusão caminha na contramão do ideário protecionista que elegemos em 1988, vale dizer um horizonte social a ser explorado e não esquecido.

 

Theodoro Vicente Agostinho - Mestre em Direito Previdenciário pela PUC/SP. Especialista em Direito Previdenciário pela EPD/SP. Coordenador e Professor em Cursos de Pós-Graduação em Direito Previdenciário do Complexo Jurídico Damásio de Jesus, Instituto Apromax e LEX Editora.

 

Sérgio Henrique Salvador - Especialista em Direito Previdenciário pela EPD/SP. Especialista em Processo Civil pela PUC/SP (COGEAE). Professor do IBEP/SP e do Curso de Direito da FEPI - Centro Universitário de Itajubá. Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Previdenciário da Rede Êxito.

 

[1] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004, p.661.

[2] ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. 4ª Ed. São Paulo: EUD, 2011, p. 541.

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