O Jogo

Publicado por: Editor Feed News
15/07/2016 19:26:43
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Courtesy Pixabay
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O jogo

Brasil, terra leviana do jogo. Não se trata de não legalizar cassinos. Inúmeros países têm cassinos legalizados e seus povos não são vítimas de tanta podridão.
Entre nós, o azar é inerente à gerência da coisa pública. Sem a natureza aleatória do azar. Somente nos últimos tempos, a polícia e outros órgãos intervieram nos cassinos. A duras penas, a operação continua. Grupos políticos fortíssimos atuam para reabrir o cassino oficial.


Dispensar licitação indispensável é ganhar sem risco. O risco é ser pego. Os jogadores consideravam, e ainda o fazem improvável. Jogo ainda mais lucrativo: dispensar licitação e, depois, aditar contratos. Tudo à margem da lei. Os cassinos legalizados têm obrigações legais, que são cumpridas se não há leniências na fiscalização.
Presidencialismo de compromissos é dizer, de jogos. Brasília é nosso imenso antro de jogatinas. Creiam que, se a Lava Jato acontecesse em Brasília, já teria deixado de acontecer. Tudo se negocia com o Estado. Estado total e metastasiado, nos três níveis de poderes.


Certamente, estamos procurando estancar a jogatina. A partir da República de Curitiba. O desastre é tão grande que um juiz de primeira instância, em sua singeleza, simplesmente no exercício de suas funções, figurou na Forbes.


O maior problema é que as coisas, aqui, quando não são ruins para o povo, tendem a ser transitórias. Passado o pico do stress, tudo volta como antes no quartel de Abrantes.
As melhores ideias para construção de um país digno de viver existem e são apresentadas em profusão, por uma minoria honesta. Todavia, deixa-se passar algum tempo, para que sumam na poeira das estradas. Há propostas decenárias, vintenárias, que ainda são apresentadas, por gerações que não as viram e ainda não se desiludiram.


Nas circunstâncias, por que não ao fim do presidencialismo? Porque o parlamentarismo torna muito mais difícil as trambicagens. A onipotência dos governantes é reduzida. O Primeiro-Ministro tem missão a cumprir e deve explicações - preferencialmente semanais - às casas do povo. Ah, estas são antros de prostituição. Não discordamos. Porém, reforma política que mereça esse nome também envolve sua reformulação. O "recall" é um instituto de emergência na política brasileira. Idem o voto distrital misto, com listas da sociedade e, não, das cúpulas partidárias. A redução dos partidos a um número razoável não é antidemocrática. Democracia não é anarquia. Permitir-se apenas dois mandatos parlamentares não é destruir coisa alguma, salvo a "categoria" ou a "classe" política, que não tem categoria nem classe.

O Presidente da República, no parlamentarismo, tem fortes poderes. Acreditam que não, porque não governa. Mas poderes maiores do que o poder de desativar o gabinete dissolver o Parlamento e convocar eleições gerais? Temos, também, cultura política capaz de aperfeiçoar o Parlamentarismo, a cujos parâmetros não devemos nenhuma cega obediência doutrinária. No lugar do Presidente ou de um Rei, a escolha de um grupo, talvez não superior a cinco, entre várias listas de nomes submetidas ao voto popular.
Parlamentarismo sem rei, sem Presidente, Parlamentarismo do povo; que, como dito, pode enganar-se, mas não há atividade humana sem risco. E os mandatários sempre têm prazo determinado para exercer suas funções. Já sofremos durante séculos. É razoável esperar que acertemos numa próxima escolha.


Todas essas questões podem ser apresentadas, com a simplicidade que lhes é inerente, em tempo curto, a um plebiscito do povo brasileiro. Incutiu-se na consciência do povo brasileiro que plebiscito e parlamentarismo são coisas ruins. Ora, existem coisas mais ruins que os últimos acontecimento? Até quando vamos suportar? A "classe política" sente a forte indigestão de todas essas ideias. Podem significar, e significarão seu fim. É uma classe que se locupleta, portanto não há suicidas entre eles. Formaram uma casta, e, como se sabe, casta são como placas cardíacas: calcificam-se, sem retorno. Porém, o domínio das ciências não sofre do mesmo determinismo da biologia. Em princípio, tudo é preciso fazer, embora, em princípio, as mudanças importantes são produtos de embates graves.


O povo brasileiro foi às ruas. E isso, salvo o verniz dos discursos parlamentares, não mudou a cabeça de quem quer conservar poderes e privilégios. Talvez as melhores consciências do povo tenham acabado em campos opostos, em falso debate, considerados nossas necessidades. O impeachment era indispensável, visto que os últimos governos do Partido dos Trabalhadores nos levariam a um poço obscuro e sem volta, se esse partido permanecesse no poder.


O governo provisório só terá méritos se, além de repor, ainda que em parte, a economia política e as finanças públicas no eixo, preparar essas providências de forma de exercício do poder durante o tempo que lhe resta. Começaríamos o novo período governamental sob novas e salutares regras, compatíveis com a vontade popular. Sabemos que tudo farão para não as implementarem, mentirão e divulgarão demagogias. É o destino de um país que não tem patriotas no número que seria necessário; tem puros e simples estelionatários da coisa pública.


Por isso tudo é que percebemos o cinismo desses delinquentes quando se opõem, por exemplo, à legalização dos bingos, porque traria por arrastamento o crime organizado, como se esse, em nossas terras, já não fosse um dos maiores do mundo. Não é primordial legalizar jogos, mas, se assim é, que não tenhamos cassinos de nenhuma espécie, sobretudo em pleno funcionamento nas entranhas de um Estado, pomposamente denominado pela Constituição Federal de Estado Democrático de Direito.

 


*Amadeu Garrido- advogado e poeta. autor do livro Universo Invisível, membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.

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